terça-feira, 3 de março de 2009

Terra de todo mundo


Retornei a Belo Horizonte no fim de janeiro e aqui estava a chuva a me aguardar, como no dia em que saí de férias, um mês antes. Não parou nem um dia, me disseram. Lá fora, assustei-me com o inverno mais quente da história da Europa, segundo os estudiosos, e o mais esquisito de todos, segundo as pessoas comuns com as quais conversei. No interior da Toscana, lar dos Fabbrinis, os agricultores de Pitigliano, apreensivos, comentavam com a gente:
- Dov’é questo inverno que non arriva più?
E nos contavam sobre plantas que agora brotavam um, dois meses antes do previsto. Do calor, dos ventos súbitos, dos rios raivosos ou da água escassa. Tudo louco. Na semana seguinte, em Londres, vimos de perto e apavorados um Jumbo que tentava pousar em Heathrow, sacudido por uma saraivada de ventos de violência absurda. Á noite, a BBC mostrou a mesma cena e a saída dos pobres passageiros, lívidos de medo. O comandante, com ar preocupado, disse que nunca tinha visto nada igual.
Não tenho mais dúvidas. Todas aquelas histórias de fim-de-mundo que a gente escutava quando criança podem estar se materializando sob a forma de um grande desastre ambiental. A Terra, demasiadamente irritada com as besteiras promovidas pelo bicho-homem, começou a reagir como um cachorro pulguento, sacudindo-se toda até expulsar o agressor. Depois, resolvido o problema, continuará serenamente sua trajetória pelo espaço, como o lar de protozoários, moluscos, insetos e mamíferos que com ela sabem viver.
Vai ter um lado engraçado: quando acabar a água, acabará para os árabes e para os judeus. A carência de oxigênio vai complicar a vida de esquerdistas raivosos e também de direitistas radicais. A fumaça tóxica entupirá, democraticamente, os pulmões de George Bush e de Osama Bin Laden, caso esteja vivo. Tsunamis devastarão povoados humildes de pescadores, mas também as mansões dos endinheirados da Califórnia. Negros africanos e branquelos noruegueses sentirão a mesma fome, e infelizmente não haverá mais comida para ambos. Resumindo: todas as barreiras sociais, ideológicas, geográficas, filosóficas ou raciais vão virar titica. Será que os homens terão a sensibilidade e a humildade de reconhecer sua estupidez? E fazer alguma coisa para tentar salvar a Terra de Todo Mundo?
O planeta está mandando sinais de alerta. Pensando melhor, quem sabe não é Deus, dando-nos a última chance de nos sentirmos irmãos e lutarmos por algo que pertence, na verdade, a todos – e não apenas a uma turminha?


(Publicado originalmente na Revista Pátio Savassi-Lifestyle/FEV)

Um comentário:

  1. Caro Fabbrini,
    Depois de ler essa inspirada crônica,fiquei com uma dúvida: o que será que iguala mais as criaturas humanas – a estupidez ou a carência?
    No fundo, o meu desejo é que não seja nem uma nem outra. Que seja a esperança.
    Parabéns, amigo! Vou seguir sua página que nem a série Jornada nas Estrelas. Abraço do
    Eduardo Condé

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