terça-feira, 17 de abril de 2012

A força da leveza em Canalva

Abaixo, o brilhante comentário do Mestre em Literatura, Jornalista, Crítico de raridades e escritor Márcio Almeida sobre "Canalva", meu novo romance.


A FORÇA DA LEVEZA EM CANALVA
DE FERNANDO FABBRINI
Márcio Almeida

            Canalva, romance de estreia de Fernando Fabbrini, sobre o país da cana doce e alva ou Sacharum officinarum, faz parte da alegoria da Terra brasilis, que a partir do Tratado de Tordesilhas de 1498, que divide possessões das terras incógnitas a serem descobertas no Atlântico Sul entre Espanha e Portugal, integra o imaginário real e fantasioso do Paraíso Terreal das conquistas dos colonizadores.
            Se àquela época, o padre Cristoval de Acuña escreveu que “el tiempo descubrirá la verdad”, Fabbrini descreverá uma ilha edênica chamada Doce, depois Canalva, que se tornaria nação americana a partir do século XVI. A narrativa, porém, dá-se em função do hedonismo vivenciado pela população multi-étnica miscigenizada com amplo culturalismo entre nativos, portugueses, espanhóis, africanos, italianos, caribenhos, malaios, indianos, brasileiros e do vezo que originou desses povos sob os ardores fartos de sedução tropical.
O livro não descreve contendas entre patrões de descobridores, ou demandas de conquistadores, tampouco influências das missões cristãs nos tristes trópicos de Lévi-Strauss. Canalva é uma leitura saborosa, vívida, sedutora, porque se restringe a expor o modus vivendi e o modus operandi de gente que se apaixona pela ilha simples, ecologicamente correta, afrodisíaca, livre e farta numa convivência pacífica entre ilhotas, os “peregrinos errantes” de que fala Sérgio Buarque de Hollanda em seu Visão do paraíso (p.235), aventureiros, servidores da igreja, comerciantes, as dulces nativas escandalosamente talhadas em jambo pelo Sol, de corpo irresistível, o desejo no cio: O jeito de caminhar, balançando suavemente os quadris; os dedos dos pés e tornozelos   enfeitados com miçangas, as saias coloridas e os hibiscos que sempre usavam para adornar os cabelos faziam os europeus entortarem o pescoço e vê-las passar. E como se não bastasse, era hábito entre as dulces jovens não usar nada acima da cintura além de colares de conchas ou de pedrinhas brilhantes (p.33). Dulcis insula, amarum peccatum! – cita o autor para designar a síntese de Canalva, todo o tempo prazerosa como tomar garapa gelada com granizo, em descrição perfeita numa noite de tempestade que levou os ilhotas a recolher as pedras pelas praias.
            Javier Saldaña e Ariana D´Aveiro (“duas almas teimosas e empedernidas” p.125), o veneziano Pietro Amicangeli, o papagaio Pierrô, Dr. Francisco Valverde, Barolo, Frade Ansuz, Orlando Petrúcio, Tatu Cipriano, Carrilho, Don Paco, Philippe Duverger, Jaime Buardilla, entre outros, são mais que personagens, são pessoas comuns vivendo conforme a natureza, pessoas-portos e acolhedoras de cheganças desconhecidas, mas cheias de histórias de aventuras pelos mares do mundo. Reunidos em Canalva com banzos trazidos de diferentes origens, estavam também sujeitos a “conflito de classes”, “contabilidade fraudulenta”, a “um manto de amargura”, a conquistas e decepções amorosas, ao idealismo emancipatório (transformar a ilha em uma nação), à força da devoção protecional (A medalha, disse Balbina emocionada, “é de São Benedito, o Negro. Que ele proteja o nosso Governador e nossa terra!”, p.246).
            Que os leitores, extasiados com uma linguagem de incrível elegância e viscosa, observem também as descrições da fauna e flora de Canalva, de cuja leitura poder-se-á deduzir o quanto se perdeu de natureza, de naturalidade e de tradições para um progresso incapaz de eliminar, por exemplo, a fome, ou doenças tropicais recrudescidas na pós-modernidade. O romance traz de volta referências a coisas que, ou deixaram de existir ou se tornaram objetos de luxo, como cadeiras e sofás de vimes, biombo de palha,”uma grande escultura de madeira que retratava um deus primitivo africano,” fogão de barro, mesa de mogno, cortinas de fibras verdes, e a iguarias entranhadas na tradição brasileira como rapadura, bolo de glacê, tranca-rabo, tampona seca e macerada, ostras frescas, linguiça defumada, perdizes fumegantes com uvas passas na manteiga, entre muitas outras guloseimas.
            O capítulo intitulado “Na casa do penhasco” é particularmente interessante por diversos motivos, um deles o de descrever costumes amorosos arraigados na população nativa, repassados aos seus moradores vindos do mundo; outro, por referir-se às “armadilhas e arapucas” armadas pelos idiomas que poliglotam a ilha Canalva.
            Questões políticas são em Canalva resolvidas sem sangue, com diálogo, resolvidas. Um livro que dá prazer de ler. Leve, curioso, cheio de sutilezas nas entranhas da narrativa. Náutico em terra firme. Telúrico em alto mar. Leitura canalva.

      
             

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Poemasmeus 871129 - De Ricardo Paolinelli di Persio

Com a devida licença do autor (ou melhor: do pai do autor), publico esta maravilha.

O que me dói sao as inteligências que se vão,
As bocas que silenciam palavras boas,
A procissão de patifes rumo à reprodução,

E em pleno reino da Mediocridade
Algumas poucas cores duelam contra o cinza populista:
Nem direita, nem esquerda: chega de gente torta.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Isso é um Belo Horizonte?



BELORIZ

 (Poema de meu amigo Claudio Persio)

Gerações antigas cantam e contam do encantamento

de  uma  linda cidade moderna, e já tão riscada no tempo.

Riscos de traços cirúrgicos ablativos, cor de sangue,
só  que feitos pra não salvar.

A ordem geral, parece, era só cortar, cortar.

Assim fizeram com os seios, seu ventre e cabeleira verde.

Pouco a pouco e ao pé, ao derredor de seus montes,

substituído teve seu manto, azul que agasalhava,

por cada vez mais tristes, frios e cinzas Horizontes.

Também alteraram, óbvio, o mais vital de seus líquidos,
secando-lhe cristalinas fontes.

Ninguém perguntou aos tímidos se queriam ver esticados

tanto assim todos seus membros puxados na vertical.

E, assim, castrando-lhe o porte de seu sobrenome vital.

Quase viveu, por um triz, safou-se em mera Beloriz.

Por que se terá deixado assim em mãos de imerecidos amantes?

Bela, bela, bela, bela no passado, pretérito, no antes,
quando Belô tinha Horizonte.

Os que a conheceram antiga venham; puxem os bancos, encham os copos,
aconcheguem-se e nos contem.

Façamos de conta que a de hoje é a bela cidade que foi ontem.




sábado, 14 de maio de 2011

Trocando os bichos da Revolução de Orwell

A nova cartilha do MEC é um passo importante na marcha firme e segura da burrice e da preguiça neste país. Segundo ela, os alunos não mais cometerão erros de concordância gramatical. Ao agredirem a pobre língua portuguesa nesse quesito, serão imediatamente absolvidos e consolados na condição de vítimas de "preconceito linguístico". Para os autores da referida cartilha - talvez afinados com o estilo daquele presidente que não gostava de ler e falava tudo errado - escrever e falar corretamente deve ser, doravante, um privilégio odioso da elite. O episódio lembrou-me imediatamente a "Revolução dos Bichos" de George Orwell, porém trocando-se a espécie animal: no Brasil, de agora em diante, todos os burros são iguais, mas alguns burros serão mais burros que os outros.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Poeminha do jardim


Crisálida

A crisálida, coitada,
Já não é mais lagarta
Mas ainda não virou borboleta.
A crisálida – é bom que se avise –
Está em crise.

terça-feira, 31 de março de 2009

A linha reta é uma mentira.


Não existe linha reta na natureza. Tudo é curvo, como a silhueta das folhas, os galhos das árvores, o pelo dos animais, o contorno das montanhas, o desenho do nosso corpo. A reta é uma ilusão humana, uma tentativa ansiosa de ir direto de um ponto ao outro pelo caminho mais curto. Isso pode funcionar na matemática ou na engenharia, mas na vida comum a retidão é uma grande bobagem. Nosso caminho sobre este planeta (cuja “linha do horizonte”, a propósito, também é curva) é feito de idas e vindas, traçados incertos e tortuosos, longas elipses para se chegar ao destino. Percorrer a via longa e sinuosa, “The Long and Winding Road”, é uma lição de humildade e paciência.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Navegar era preciso, mas eu só boiava.


Levei muito tempo para entender o “Navegar é preciso, viver não é preciso” . Isso porque, como brasileiro, eu entendia o verbo “precisar” como alguma coisa “necessária”. A frase não me trazia grandes inspirações e muitas vezes me senti bastante burro por não entender “a mensagem” ali contida. Foi Ana, uma amiga portuguesa, quem me decifrou o enigma. “Preciso”, no original idioma português, diz respeito à “precisão”, à certeza, à exatidão. Os marinheiros da Escola de Sagres tinham a bússola, o sextante e outros instrumentos que faziam do ofício de navegar uma coisa segura e “precisa”. Já o viver...definitivamente não é preciso. A frase estranha virou, então, um poema belíssimo. Agora entendi. Obrigado, Petrarca, a quem se atribui a frase original, e a Fernando Pessoa, que a imortalizou.