terça-feira, 31 de março de 2009

A linha reta é uma mentira.


Não existe linha reta na natureza. Tudo é curvo, como a silhueta das folhas, os galhos das árvores, o pelo dos animais, o contorno das montanhas, o desenho do nosso corpo. A reta é uma ilusão humana, uma tentativa ansiosa de ir direto de um ponto ao outro pelo caminho mais curto. Isso pode funcionar na matemática ou na engenharia, mas na vida comum a retidão é uma grande bobagem. Nosso caminho sobre este planeta (cuja “linha do horizonte”, a propósito, também é curva) é feito de idas e vindas, traçados incertos e tortuosos, longas elipses para se chegar ao destino. Percorrer a via longa e sinuosa, “The Long and Winding Road”, é uma lição de humildade e paciência.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Navegar era preciso, mas eu só boiava.


Levei muito tempo para entender o “Navegar é preciso, viver não é preciso” . Isso porque, como brasileiro, eu entendia o verbo “precisar” como alguma coisa “necessária”. A frase não me trazia grandes inspirações e muitas vezes me senti bastante burro por não entender “a mensagem” ali contida. Foi Ana, uma amiga portuguesa, quem me decifrou o enigma. “Preciso”, no original idioma português, diz respeito à “precisão”, à certeza, à exatidão. Os marinheiros da Escola de Sagres tinham a bússola, o sextante e outros instrumentos que faziam do ofício de navegar uma coisa segura e “precisa”. Já o viver...definitivamente não é preciso. A frase estranha virou, então, um poema belíssimo. Agora entendi. Obrigado, Petrarca, a quem se atribui a frase original, e a Fernando Pessoa, que a imortalizou.

domingo, 29 de março de 2009

A passarela da Daniela


Daniela é filha de um amigo e quer ser modelo. Procurou a mim, sei lá porque, pedindo dicas e conselhos. O que vou dizer à Dani? Deve ser mesmo sensacional vestir roupas descoladas, posar para fotos em Milão, aparecer nos out-doors, ganhar fortunas. Sem dúvida, exige-se muito talento para desfilar com uma calça roxa com teias de aranha na bainha ou um blazer estampado com Joana D’Arc na fogueira. Notem que não entendo bulhufas do mundo fashion, mas como conheço alguma coisa da alma humana, assusta-me a existência de suas vítimas. Falo daquele tipo infeliz incapaz de sair à rua para comprar pão e leite se não estiver usando algum ícone contemporâneo.
Esquivei-me até agora e continuo devendo minha opinião à Dani.
Pensando bem, vou dizer a ela que continue estudando, tomando gosto pelos livros, vendo plantas, bichos, máquinas e estrelas, até encantar-se por alguma arte ou ciência. Pois é, Dani: ser modelo deve ser super legal e você é uma graça de menina. Mas considere a dica deste seu tiozão: até por uma questão mercadológica, conjuntural e de chances no futuro, o melhor hoje em dia é ser fora de moda. Invente um modelito exclusivo, original, único, do jeito que só a Dani sabe ser. Resumindo: crie sua própria griffe.
Na pior das hipóteses, você nunca vai pagar o mico de encontrar outra Daniela – vestida igualzinho, falando igualzinho, andando e pensando igualzinho a você, numa dessas vitrines da vida por aí.

terça-feira, 3 de março de 2009

Terra de todo mundo


Retornei a Belo Horizonte no fim de janeiro e aqui estava a chuva a me aguardar, como no dia em que saí de férias, um mês antes. Não parou nem um dia, me disseram. Lá fora, assustei-me com o inverno mais quente da história da Europa, segundo os estudiosos, e o mais esquisito de todos, segundo as pessoas comuns com as quais conversei. No interior da Toscana, lar dos Fabbrinis, os agricultores de Pitigliano, apreensivos, comentavam com a gente:
- Dov’é questo inverno que non arriva più?
E nos contavam sobre plantas que agora brotavam um, dois meses antes do previsto. Do calor, dos ventos súbitos, dos rios raivosos ou da água escassa. Tudo louco. Na semana seguinte, em Londres, vimos de perto e apavorados um Jumbo que tentava pousar em Heathrow, sacudido por uma saraivada de ventos de violência absurda. Á noite, a BBC mostrou a mesma cena e a saída dos pobres passageiros, lívidos de medo. O comandante, com ar preocupado, disse que nunca tinha visto nada igual.
Não tenho mais dúvidas. Todas aquelas histórias de fim-de-mundo que a gente escutava quando criança podem estar se materializando sob a forma de um grande desastre ambiental. A Terra, demasiadamente irritada com as besteiras promovidas pelo bicho-homem, começou a reagir como um cachorro pulguento, sacudindo-se toda até expulsar o agressor. Depois, resolvido o problema, continuará serenamente sua trajetória pelo espaço, como o lar de protozoários, moluscos, insetos e mamíferos que com ela sabem viver.
Vai ter um lado engraçado: quando acabar a água, acabará para os árabes e para os judeus. A carência de oxigênio vai complicar a vida de esquerdistas raivosos e também de direitistas radicais. A fumaça tóxica entupirá, democraticamente, os pulmões de George Bush e de Osama Bin Laden, caso esteja vivo. Tsunamis devastarão povoados humildes de pescadores, mas também as mansões dos endinheirados da Califórnia. Negros africanos e branquelos noruegueses sentirão a mesma fome, e infelizmente não haverá mais comida para ambos. Resumindo: todas as barreiras sociais, ideológicas, geográficas, filosóficas ou raciais vão virar titica. Será que os homens terão a sensibilidade e a humildade de reconhecer sua estupidez? E fazer alguma coisa para tentar salvar a Terra de Todo Mundo?
O planeta está mandando sinais de alerta. Pensando melhor, quem sabe não é Deus, dando-nos a última chance de nos sentirmos irmãos e lutarmos por algo que pertence, na verdade, a todos – e não apenas a uma turminha?


(Publicado originalmente na Revista Pátio Savassi-Lifestyle/FEV)